RENOVAR E CRESCER

2010
"Tudo vale a pena se a alma não é pequena".
Fernando Pessoa

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A FLOR DA VERDADE


Por volta do ano 250 aC., na China antiga, certo príncipe da região de Thing Zda, no norte do pais, estava as vésperas de ser coroado imperador, mas, de acordo com a lei, ele deveria se casar. Sabendo disso, ele resolveu fazer uma “disputa” entre as moças da corte para saber qual se achava mais digna de sua auspiciosa proposta. No dia seguinte, o príncipe anunciou que receberia, numa celebração especial, todas as pretendentes e lançaria um desafio. Uma velha senhora, serva do palácio há muitos anos, ouvindo os comentários sobre os preparativos, sentiu uma leve tristeza, pois sabia que sua jovem filha nutria um sentimento de profundo amor pelo príncipe. Ao chegar em casa e relatar o fato a jovem, espantou-se ao ouvir que ela pretendia ir a celebração. Indagou-lhe incrédula:

- Minha filha, o que acha que fará lá? Estarão presentes todas as mais belas e ricas moças da corte. Tire essa idéia insensata da cabeça. Eu sei que você deve estar sofrendo, mas não torne o sofrimento uma loucura.

A filha respondeu:- Não, querida mãe, não estou sofrendo e muito menos louca. Sei que jamais poderei ser a escolhida, mas esta é a minha oportunidade de ficar pelo menos alguns momentos perto do príncipe; isso já me torna feliz, pois sei que meu destino é outro.

A noite, a jovem chegou ao palácio. Lá estavam, de fato, todas as mais belas moças, com as mais belas roupas, com as mais belas jóias e com as mais determinadas intenções. Então, finalmente, o príncipe anunciou o desafio:

- Darei a cada uma de vocês uma semente. Aquela que, dentro de seis meses, me trouxer a mais bela flor, será escolhida minha esposa e futura imperatriz da China.

A proposta do príncipe não fugiu as profundas tradições daquele povo, que valorizava muito a especialidade de “cultivar” algo, seja costumes, amizades, relacionamentos, dentre outros. O tempo passou e a doce jovem, como não tinha muita habilidade na arte da jardinagem, cuidava com muita paciência e ternura daquela semente , pois sabia que, se a beleza das flores surgisse na mesma extensão de seu amor, ela não precisava se preocupar com o resultado.

Passaram-se três meses e nada surgiu. A jovem tentara de tudo, usara todos os métodos que conhecia, mas nada havia nascido e dia a dia percebia cada vez mais longe o seu sonho, mas cada vez mais profundo o seu amor. Por fim, os seis meses haviam passado e nada ela havia cultivado. Consciente de seu esforço e dedicação comunicou a sua mãe que, independentemente das circunstancia, retornaria ao palácio, na data combinada, pois não pretendia nada alem do que mais alguns momentos na companhia do príncipe. Na hora marcada, estava lá, com seu vaso vazio, bem como todas as pretendentes, cada uma com uma flor mais bela do que a outra, das mais variadas formas e cores. Ela estava absorta, nunca havia presenciado cena tão bela. Finalmente chegou o momento esperado: o príncipe observou com muito cuidado cada uma das pretendentes com muito cuidado e atenção e, após passar por todas, uma a uma, ele anunciou o resultado e indicou a bela jovem como sua futura esposa. As pessoas presentes tiveram as mais inusitadas reações. Ninguém compreendeu porque ele havia escolhido justamente aquela que nada havia cultivado. Então, calmamente, ele esclareceu:

- Esta foi a única que cultivou a flor que a tornou digna de se tornar uma imperatriz – a flor da honestidade -, pois todas as sementes que entreguei eram estéreis.


Ouvi esta fábula há cerca de uns quatro anos atrás e ela me tocou muito, pois nos dias de hoje é cada vez mais difícil cultivar a honestidade, principalmente num momento em que se gasta fortunas para o cultivo do exterior. São as academias lotadas na esperança de um bumbum durinho, músculos torneados, pele bronzeada. Produtos vendidos pela TV e internet que proclamam acabar com a barriga, a celulite e muito mais. A industria de cosmética, nem se fala, e as cirurgias plásticas que hoje se faz em suaves prestações, nos famosos carnezinhos? E os botox e silicones da vida que vão deformando a face e o corpo para se buscar algo que a industria da beleza instituiu, que amanhã pode instituir exatamente o oposto?

É a busca frenética por cultivar algo fabricado, algo que não existe. É querer que brote uma flor de uma semente estéril. É anular a natureza em detrimento do sintético, do fabricado.

Esta é apenas uma pontinha do iceberg, pois a cada dia, mais e mais, estouram escândalos políticos onde a corrupção é vista como algo natural, burla-se a lei e impera-se a impunidade.

A coroa real, hoje, é o próprio umbigo. Vivemos um mundo de falsidade, de mentiras, e o pior que de tanto cultivá-las e ouvi-las, passam a ser verdades para uma população que esta emburrecendo através de condicionamentos realizados por espertalhões que proclamam a lei do prazer já. A população tem se escraviza no consumismo, entram em crise de identidade - ser e parecer com outra pessoa. Entram em dívidas homéricas, e muitos adoecem tanto física e psiquicamente por querem que sua flor seja a mais bela.

Será que um dia vamos ter um imperador que venha valorizar a pureza, a verdade e a honestidade? Será que, um dia, nós seremos capazes de assumir nossas limitações e impotências e teremos a coragem de mostrá-las a público?

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